O CARNAVAL dos OUTROS

17-02-2015 17:57

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O CARNAVAL dos OUTROS!

 

O Sol, quando nasce é para todos, mas o CARNAVAL, em VALE da PINTA, nem por isso. Para mim, pelo menos.
O ANTÓNIO BICHANINHA tinha acabado de dar o mote, proporcionando uma barrigada de riso a quem presenciou a cena. Deambulava ele, rua abaixo, rua acima, armado de óculos, vara na mão e "vara" no chão, isto é, munido de uma vara de marmeleiro, com o alforge da ração a tiracolo, apascentava uma "vara" de porcos. Os porcos éramos nós, os putos, e o repasto, em vez de milho, era composto por rebuçados, que o Bichaninha nos atirava, de cada vez que gritava ruuuuttt... e batia com a chibata no solo. Tinha uma vasta pera negra, queixo abaixo, e explanava, com prazer, a douta sabedoria de quem domina a arte de domesticar e conduzir bácoros.
Quando, pela enésima vez, a "vara" passava junto à Taberna do Júlio Parente, foi o "porqueiro" interpelado por um forasteiro, um tipo da Maçussa, deste modo: 
- Ó chefe! Você não leva a mal que eu faça um comentário, pois não?!
- e responde o Bichaninha -
- Essa agora!... Ó Mestre, agora é Carnaval, por isso não levo a mal!...
- e disse o forasteiro: -
- Ó chefe, você com essa PERA, parece mesmo um BODE!
- e responde o Bichaninha -
- Olhe, e a você, para ser um BODE, só lhe falta a PERA!...

O "provocador" ficou ruborizado, mas, já que era Carnaval, não se desmanchou.
Mercê disso, talvez animados pela piada, eu mais o António Manuel e o Duque, a fim de não perder o balanço, fomos, cada qual a sua casa, e vai de envergar roupa alheia, o mais disforme possível, para que não fôssemos reconhecidos. Já Trapalhões, juntámo-nos e vai de iniciar aquilo que devia ser a volta à terra. Ao passarmos junto da casa da Ema, fomos confrontados com uma dezena de raparigas. Lembro-me de algumas, como a Ema, a Luísa Neves, a Maria Beatriz, e alguns adultos, como a Elvira do Forno e as suas gentes, cada qual vaticinando quem era quem.
- Aquele é o Duque! - dizia uma.
- Aquele é o António Manuel! - dizia outra.
- E aquele, de careta encarnada, quem será?
E, durante uns cinco minutos, não havia por ali ninguém que conseguisse descobrir quem era o incógnito. Até que  uma voz de comando, vinda dos lados da minha casa, me sentenciou:
- Ó Zé, eu vou sair, e a menina está a dormir! Agora, não vás acordá-la, senão levas!
Risada geral e, em coro, todos gritaram:
- É o Zé Luís! É o Zé Luís!
Pois era eu! Ao sentir-me descoberto, de modo tão inglório e humilhante, dei um safanão à caraça, rasgando-a em duas, despi-me ali mesmo, à frente daquela gente toda, espezinhei as vestes e berrei que nem um desalmado, batendo os pés no chão, a fim de descarregar a ira que me ia na alma. À noite, paguei as "favas", pela má educação. Mas a culpa foi minha? Ainda hoje, acho que não. Mas foi remédio santo: desde então, nunca mais me mascarei pelo Carnaval.