- Na Base Aérea Nº 2, na Ota -

01-04-2015 14:17

Cap. IV - Entrada na BA2.

 
 
 - Na Base Aérea Nº 2, na Ota -


1 - no 1º dia
A instrução terminou em julho e, em princípios de setembro, fui colocado na Base Aérea nº2, na Ota. Eu tinha escolhido três bases, pela seguinte ordem de preferência: 1.ª, BA2 na Ota; 2.ª, BA9 em Luanda; 3.ª, BA10, em Lourenço Marques. Disseram-me que fui colocado na Ota (que até fora a minha primeira opção), por ter tido uma boa classificação no curso. Fosse por que fosse, o certo é que acabei por ficar a cerca de vinte quilómetros de casa. Era bom por um lado, mas péssimo por outro. Bem, porque gastava pouco tempo e dinheiro nas viagens; mau, porque com o vício de ir a casa, sempre gastava mais do que se estivesse longe. Era um círculo vicioso.
Tinha colegas de Lisboa, das Caldas, da Abrigada e de Cabanas de Chão, que iam a casa quase todos os dias e, pelo que diziam, para trazerem umas coroas no bolso, não tinham que dar o corpo ao manifesto, como eu, porque trabalho ao fim de semana, era coisa que não faltava.
Apresentando a Base Aérea nº2, direi que se situava a dois quilómetros da aldeia da Ota, a oito quilómetros de Alenquer e a uns quinze de Vila Franca de Xira. Tinha uma razoável gama de aeronaves, tais como os aviões a jato T-33, aviões de combate, coqueluche da Base; Junkers-Ju52, para transporte de militares e lançamento de paraquedistas; Os Skymaster para instrução de pilotos; Chipmunk, utilizado na instrução básica de pilotagem e alguns helicópteros tipo Allouette III.
Na semana em que eu cheguei à Ota, fui ao cinema da Base ver o filme “Os amores de Lucrécia Borgia”. Sentei-me, descansadinho e os documentários começaram a passar na tela. Ainda mal as luzes se tinha apagado e o projetor ligado, quando ouvi uma discussão e, ato contínuo, um som e um grito que, cá para mim, não auguravam nada de bom.
Pediram ao projecionista para ligar as luzes da sala e deu para ver o que se passava em redor. Vi um soldado do Serviço Geral, por sinal um grande calmeirão, com a cabeça aberta em duas, ser levado em braços, para fora, para a rua e um cabo da P.A. de cassetete, ainda fumegante, na mão, à procura de mais uns dois candidatos que, entretanto, se puseram ao fresco, não fosse o Diabo tecê-las. É que aqueles cassetetes não são de borracha, não! São de madeira e da rija. Tenho um desses exemplares em casa e imagino que uma bordoada daquelas assente bem a preceito, não deve deixar que a vítima fique com vontade de repetir a dose.
Eu, realmente, só me apercebi da parte final do tumulto, mas segundo me relatou um meu colega da Polícia Aérea, que estava ali de serviço e foi um dos intervenientes no caso, o que se passou foi o seguinte: o soldado agredido, cozinheiro do refeitório do Serviço Geral, mal se apagaram as luzes da sala, tomou a infeliz decisão de puxar de um cigarro e acendê-lo. Um dos soldados da P.A em serviço no Cinema acercou-se do fumador e mandou-o apagar o cigarro; como resposta, levou com um impropério de todo o tamanho dirigido à senhora sua mãe que, a esta hora da noite, estaria, provavelmente, bem descansadinha em casa a fazer renda e a ouvir o programa do Sr. Matos Maia, “Quando o Telefone Toca”, no Rádio Clube Português, e não devia ter sido para ali chamada. O soldado, da primeira vez, ainda desculpou o cozinheiro açoriano, mas como este tivesse repetido a ofensa, o P.A. já não esteve pelos ajustes e comunicou ao cabo o que se passara. O cabo Libânio, homem de Manique do Intendente, possante e bruto que nem uma carroça velha, tirou o cassetete da mão do seu subordinado, chegou-se ao pé do açoriano e nem lhe perguntou por que lado queria e quantas queria: marcou-lhe uma pancada ao centro damona, que deixou o fulano em estado melindroso.
O ferido, depois de assistido na enfermaria da Base, foi parar ao Hospital Militar da Estrela, onde ficou uns tempos, de molho. Porém, como lhe tivessem dado alta prematuramente, este regressou à cozinha da Base, onde a chaga mal sarada, na sua cabeça exposta a fumos, regrediu no seu estado clínico e o obrigou a voltar para o Hospital da Estrela com uma valente infeção. Voltou à Base e ao seu posto de cozinheiro algum tempo mais tarde.
Como dia de apresentação, já não estava mal de todo.